Sumido
L. F. Veríssimo
As pessoas diziam que havia tempo não me viam. "Que fim você levou?", perguntavam. Eu não tinha a menor idéia. Eu também, fazia tempo que não me via.
Me disseram "Você anda sumido", e me dei conta de que era verdade. Eu também, fazia tempo que não me via. O que teria acontecido comigo?
Não me encontrava nos lugares em que costumava ir. Perguntava por mim, e as
pessoas diziam que havia tempo não me viam. E faziam a pergunta: "Que fim você
levou?". Eu não tinha a menor idéia. A última vez em que me vira fora, deixa
ver... Eu não me lembrava!
Eu teria morrido? Impossível, na última vez em que me vira eu estava bem. Não
tinha, que eu soubesse, nenhum problema grave de saúde. E, mesmo, eu teria visto
o convite para o meu enterro no jornal. O nome fatalmente me chamaria a atenção.
Eu podia ter mudado de cidade. Era isso. Podia ter ido para outro lugar,
podia estar em outro lugar naquele momento. Mas por que iria embora assim, sem
dizer nada para ninguém, sem me despedir nem de mim? Sempre fomos muito ligados.
No outro dia fui a um lugar que eu costumava freqüentar muito e perguntei se
tinham me visto. Não era gente conhecida, precisei me descrever. Não foi difícil
porque me usei como modelo. "Eu sou um cara, assim, como eu. Mesma altura,
tudo". Não tinham me visto. Que coisa. Pensei: como é que alguém pode
simplesmente desaparecer desse jeito?
Foi então que comecei, confesso, a pensar nas vantagens de estar sumido. Não
me encontrar em lugar algum me dava uma espécie de liberdade. Podia fazer o que
bem entendesse, sem o risco de dar comigo e eu dizer "Você, hein?" e eu ser
obrigado a me dizer alguma coisa como "Vai ver se eu não estou lá na esquina".
Mudei por completo de comportamento. Me tornei - outro! Que maravilha. Agora,
mesmo que me encontrasse, eu não me reconheceria. Comecei a fazer coisas que até
eu duvidaria, se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas
com a minha mudança era: "Nem parece você". Claro que não parecia eu. Eu não era
eu. Eu era outro!
Passei a me exceder, embriagado pela minha nova liberdade. A verdade é que
estar longe dos meus olhos me deixou fora de mim. Ou fora do outro. E um dia
ouvi uma mulher indignada com o meu assédio gritar "Você não se enxerga, não?".
Foi uma revelação. Claro, era isso. Eu não estava sumido. Eu simplesmente não
me enxergava. Como podia me encontrar nos lugares onde me procurava se não me
enxergava? Todo aquele tempo eu estivera lá, presente, embaixo, por assim dizer,
do meu nariz, e não me vira.
Por um lado, fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem, não precisava me
preocupar. Por outro lado, foi uma decepção. Concluí que não tem jeito, estamos
sempre, irremediavelmente, conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de
nós.
A gente não desaparece. A gente às vezes só não se enxerga.
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